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Episódio 81: Flexcraft, a aeronave modular

sexta, fevereiro 10th, 2023

Tudo se resume a uma asa. Essa é a base do veículo e da tecnologia inovadora idealizada por investigadores e estudantes do Instituto Superior Técnico, no início deste século. Uma asa que pudesse ser operada remotamente, funcionando quase como um táxi aéreo que pode agarrar vários tipos de cabines com várias aplicações, do transporte de mercadoria ao socorro de vítimas.
Esta aeronave modular em forma de asa, batizada como Flexcraft, foi projetada para ter 15 metros de uma ponta a outra da asa e para permitir o transporte de uma carga até 1000 quilos (ou 8 ou 9 passageiros), durante cerca de 500 quilómetros. Um veículo aéreo completamente diferente das aeronaves tal como as conhecemos hoje. “Apercebemo-nos, no contacto com empresas logísticas, que há aqui um nicho de mercado que pode ser explorado para fazer a entrada desde centros que estão na periferia até aos grandes centros logísticos”, explica Fernando Lau, professor no Departamento de Engenharia Mecânica e coordenador do Mestrado em Engenharia Aeroespacial.
As possíveis aplicações desta asa que transporta cabines de um lado para o outro não se esgotam no transporte de mercadorias. “Uma das preocupações é com incêndios: imaginámos uma forma muito rápida de fazer o transporte de doentes com esse tipo de sistema”, complementa. As cabines podem ser várias coisas como contentores, ambulâncias, aeronaves de transporte de passageiros, entre outras.

O projeto surgiu no ano letivo de 2015/2016 e envolveu vários estudantes de mestrado e de doutoramento do Técnico. Bebeu ideias de um projeto anterior, mais dedicado a aeronaves convencionais, uma espécie de jato executivo, com capacidade para quatro passageiros, mas rapidamente se converteu nesta estratégia das asas voadoras. Esta missão de criar novos conceitos de aeronaves envolveu várias entidades, como o INEGI – Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial (INEGI), a Alma Design e a Embraer Portugal.
A Flexcraft, desenhada para não precisar de uma pista convencional para levantar e aterrar, chegou a ter um modelo à escala de 1/10 (com 1,5 metros de ponta a ponta da asa, em vez dos 15 metros) que conseguiu levantar voo percorrendo 20 metros em seis segundos, num terreno de terra batida, durante um estudo de viabilidade de conceito. “O que imaginámos é que não precisaríamos de uma pista convencional. Podiam ser centros logísticos, armazéns, que tivessem algum terreno à volta”, explica Fernando Lau.

Ao mesmo tempo, os outros parceiros do projeto estavam a construir uma cabine à escala, que foi apresentada aqui no campus na Alameda do Técnico, em 2020, na apresentação final do projeto. “Qualquer pessoa que entrasse conseguia ver de forma tão realista quanto possível como seria um voo na aeronave. Inclusivamente houve a criação de um sistema de realidade virtual, com capacetes, em que a pessoa dentro da aeronave também conseguia imaginar como é que seria o voo”, explica. Ficou só mesmo a faltar uma asa em tamanho real, objetivo que não se concretizou por força “da pandemia e da incerteza que se gerou”. E o que se segue? “Estamos a pensar numa nova candidatura, passando para uma aeronave de voo vertical, inspirada no flexcraft”, responde Fernando Lau.

Episódio 80: Balua, o balão de grande altitude

sexta, fevereiro 3rd, 2023

Em 2009, vários grupos de estudantes do Técnico mobilizavam-se para responder a um desafio lançado pela ESA – Estação Espacial Europeia, de participar no desenvolvimento de tecnologias espaciais. Um desses grupos decidiu fazer um desvio estratégico e trocou as voltas à ideia de construção de partes de satélites, focando-se no balão. “Chegámos à conclusão que, no tema do Espaço, demorávamos tanto tempo a atingir alguma coisa e acabávamos por terminar o curso e ainda não tínhamos feito nada de palpável. Então decidimos fazer outra coisa que era quase Espaço. Não era um satélite, era um balão”, descreve Diogo Henriques, um desses antigos estudantes, ainda hoje ligado a essa área de investigação, no Técnico. Nascia o projeto Balua, nome que “na nossa inocência” significava “o balão que vai à Lua”. Não foi. Mas subiu a grande altitude no envolvimento entre estudantes e investigadores do Técnico e no desenvolvimento de conhecimentos com impacto em áreas como a deteção e prevenção de incêndios,a vigilância da costa marítima, estudos ambientais ou fotografia aérea profissional.

O projeto Balua não se centrava apenas na construção do balão, mas também apostava numa carga útil (o chamado payload) que incluía aparelhagem eletrónica de comunicação e de recolha de dados, criada de raiz pela equipa, completada por outros aparelhos adquiridos no mercado, como um rastreador de satélite e uma câmara de vídeo digital. Não chegou à Lua, nem ao Espaço, mas sobrevoou a estratosfera da Terra a uma altitude de cerca de 35 quilómetros. “Estamos a falar do limite da nossa atmosfera, onde quase já não há ar. Já vemos um bocadinho da curvatura, mas pouco, já vemos o escuro do céu”, explica Diogo Henriques. “Temos imagens fantásticas, temos repetidores de comunicações, e muitas das condições semelhantes à do Espaço, como as temperaturas muito baixas, de -40 a -60 graus centígrados, e temos quase vácuo, uma atmosfera quase inexistente”, complementa. O Balua enfrentava também o desafio das comunicações. Apesar de estar a 30 ou 40 quilómetros de altitude, encontrava-se às vezes a 300 ou 400 quilómetros em distância horizontal, quase a mesma distância a que estamos de um satélite em órbita.
Com que objetivos voava o Balua? “Costumo dizer a brincar que era provar que a Terra não é plana”, responde. O grupo era maioritariamente composto por estudantes de Engenharia Aeroespacial e objetivo era mais concreto: garantir que uma câmara saísse, fosse ver e registar o espaço profundo e voltasse sem ninguém lhe tocar. “Lançar um balão é relativamente simples, é só largá-lo e ele sobe. O difícil é encontrá-lo de volta. Não temos as imagens à medida que o balão está a recolhê-las, não há transmissão de dados, o que implica sempre um processo de recuperação do payload”, aprofunda. E é aí que “entra a parte da engenharia e planeamento”, que envolve estimativas do vento, a direção e o que está em cada camada, e como o balão é arrastado pelo vento à medida que passa em cada camada da atmosfera. “A constância da direção do vento faz com que consigamos lançar na maior parte dos dias junto ao litoral e garantir que cai ainda em território nacional”, explica. Um dos desafios do projeto passava pelas deslocações até à região onde está prevista a queda do payload, uma verdadeira aventura, porque podia cair em qualquer lugar”.

Amadurecida a experiência de estudantes, os conhecimentos adquiridos pelo Balua foram-se convertendo e multiplicando por projetos de investigação, depois de uma tentativa de converter também o balão num planador, com uma inteligência que o tornasse capaz de voar e regressar a “casa” no final do voo. Alexandra Moutinho, professora no Departamento de Engenharia Mecânica do Técnico, e também antiga professora de Diogo Henriques, está hoje ao leme de projetos que têm essa ligação umbilical ao Balua. “Atualmente temos dois projetos de investigação que usam precisamente esta tecnologia dos balões para aplicações de investigação”, descreve. Um tem aplicações na área dos incêndios: uma aeronave que pode assumir-se como um satélite que poderá transmitir imagens em tempo real georreferenciadas da zona que estiver a arder e pode funcionar também como um repetidor de comunicações, impedindo a sua falha. O segundo projeto pode ser uma mais valia para a monitorização atmosférica e subaquática, recorrendo a balões para lançar sondas nos oceanos, evitando os elevados custos atualmente associados a esse processo. “O número de aplicações em que podemos usar os balões é muito grande, principalmente se queremos esta lógica de ter uma imagem aérea bastante mais alta. Estamos a falar de quilómetros de altitude, que não conseguimos com satélites nem com drones”, resume. Grandes altitudes atingidas por um balão que, nas palavras de Diogo Henrique, nasceu para gerar a “satisfação de fazer coisas que funcionam”.

Ir à estratosfera conhecer as variações do azul e voltar
«Durante o curso estávamos todos a aprender alguma coisa, mas no final sentíamos que precisávamos de aplicar isto de alguma maneira, ter essa satisfação que é enorme numa coisa destas, principalmente quando começamos a ter feedback de terceiros que queremos fazer coisas connosco, repetir… como o de ´fazer um estudo para azul’: Tivemos um artista, o Márcio Vilela, que é fotógrafo e queria fazer um estudo cromático para o azul. Queria perceber como é que o azul do céu varia com a altitude. Ele começa no azul claro e acaba no preto. Tirou fotografias desde os zero aos trinta quilómetros, fez a variação da cor e conseguiu apanhar a atmosfera.»
(Diogo Henriques)

Episódio 79: As medalhas de Duarte Pacheco

sexta, janeiro 27th, 2023

Quatro medalhas de metal com cerca de um século de existência estão hoje cuidadosamente guardadas no Técnico e servem de testemunho da importância e do impacto da passagem de Duarte Pacheco pela liderança dos destinos da Escola. Foi diretor duas vezes, de 1927 a 1932 e de 1936 a 1937, e trouxe consigo uma promessa que rapidamente cumpriu: a construção daquelas que viriam a ser as novas instalações do Técnico, o atual campus da Alameda, em Lisboa.
Estas medalhas, oferecidas a Duarte Pacheco enquanto diretor do Técnico, representam momentos e figuras histórias com impacto e de grande diversidade, como o rosto de perfil do Imperador Napoleão III, a celebração da Grande Exposição Industrial Portuguesa, realizada em 1932, da Exposição Universal de Paris de 1900, assinalada pelo Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, e a Exposição Internacional de Londres de 1862. Que importância tinham as medalhas no início do século XX? Mário Gouveia, historiador e conservador do primeiro projeto de museologia digital dedicado à medalhística, impulsionado pelo Imprensa Nacional Casa da Moeda, explica: “Têm como função principal evocar um facto relevante – político, institucional, económico, social, cultural, religioso, filosófico, artístico, literário… o que as caracteriza é serem objetos portáteis e duradouros”. Falamos de um ritual que cumpre os objetivos de comemorar, celebrar, evocar, perpetuar, premiar, reconhecer, distinguir. Ser retratado nas medalhas era “uma forma de comunicação de poder e de eternização das posições de poder”. Já a troca de medalhas servia para “recompensar pessoas, mas também de afirmação pessoal”.

Duarte Pacheco nunca viu as suas ações cunhadas numa medalha, mas esta recompensa que significava recebê-los não terá sido alheia ao papel crucial na construção daquilo que o campus do Técnico é hoje em dia. “Desde 1911 que os vários diretores tentavam financiamento para construir a escola de raiz. Todos eles falharam. E este homem não falha. Ele conseguiu o que os outros não tinham conseguido: tinha o “toque de Midas” e um grupo de influência muito grande”, explica Sandra Vaz Costa, historiadora de arte e gestora de projetos de património cultural. A sua ascensão foi absolutamente meteórica: formou-se no Técnico em Engenharia Eletrotécnica, em 1923, e voltou à Escola em 1926, já como professor de matemáticas gerais. Durante o período em que não esteve no Técnico partilhou gabinete com Caetano Maria Beirão da Veiga (1884-1962), que fora Vereador da Câmara Municipal de Lisboa, tendo acesso a “documentação camarária que o comum dos mortais não tem”. “Nestes dois anos ele anda a procurar qual é o sítio ideal para a construção das instalações do Técnico. E descobre”, avança Sandra Vaz Costa, autora do livro “O País a Régua e Esquadro – Urbanismo, Arquitetura e Memória na Obra Pública de Duarte Pacheco”. Sabia qual o melhor local em termos de preço – nos anos 20 ainda uma zona rural, constituido por quintas. “E o projeto concretiza-se até com um esquema fenomenal que criou de autofinanciamento”, descreve. Já depois de ser nomeado diretor do Técnico, pede financiamento para comprar terrenos das antigas quintas (zona com cotação baixa no mercado), pede o licenciamento à Câmara Municipal de Lisboa, e começa a construção. Como a financiou? “Quando comprou terrenos, comprou muito mais do que precisava para construir e vai começar a vender ao Estado para construção do Instituto Nacional de Estatística, da Casa da Moeda, e a particulares, nomeadamente a professores do Técnico, para a construção de moradias de professores”. O campus, projetado pelo arquiteto Porfírio Pardal Monteiro (ouvir Episódio 19: A 1.ª Imagem do Técnico) começaria a receber as primeiras aulas em 1932, tendo ficado concluído em 1937.

Os feitos de Duarte Pacheco estenderam-se também à história do país. Foi Ministro da Instrução Pública em 1928, tendo acelerado o processo de construção de residências universitárias, e foi Ministro das Obras Públicas e Comunicações, entre 1932-36 e 1938-1943, ano em que morreu num desastre de automóvel, precisamente com 43 anos. Pelo caminho, “transformou completamente a paisagem do país. Escolas primárias, liceus, campus universitários, primeiros rasgos de autoestrada, hospitais…”.
Teve ao peito duas medalhas de grande valor, representativas das mais relevantes condecorações de Estado: Grã Cruz da Ordem Militar de Cristo (1933) e Grã Cruz da Ordem Santiago da Espada (1940). Na sala da Presidência do Técnico está também um retrato seu e em Loulé, sua terra natal, há um monumento que assinala as suas obras. Mas é noutro detalhe que Sandra Vaz Costa vê o impacto de Duarte Pacheco no país: “A ponte Salazar ‘caiu’ e o viaduto Duarte Pacheco manteve-se”.

Episódio 78: O gabinete de Álvaro Machado

sexta, janeiro 20th, 2023

É uma divisão inteira de uma casa no n.º 50 da Avenida da República, em Lisboa, que se deslocou na íntegra para o Museu de Civil, no campus da Alameda do Instituto Superior Técnico. O gabinete de Álvaro Machado (1874-1944) estava a uma distância inferior a um quilómetro, mas a transferência para o Técnico demorou mais de 65 anos a acontecer.
Álvaro Machado foi o primeiro professor de arquitetura do Técnico, tendo sido nomeado em 1910 professor do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, que esteve na antecâmara da criação do Instituto Superior Técnico, em 1911. Foi um dos sete convidados por Alfredo Bensaúde para integrar esse processo de transição. Tinha o estatuto de professor ordinário do quadro e a missão de organizar o ensino do desenho para engenheiros, função que desempenhou até 1934. Nesse ano pediu a aposentação antecipada, pouco depois da inauguração do campus do Técnico, na Alameda (ouvir Episódio 19: A 1.ª Imagem do Técnico). Um desacordo sobre a forma como a obra foi atribuída ao arquiteto Porfírio Pardal Monteiro (Álvaro Machado discordava de Duarte Pacheco e defendia uma atribuição por concurso público e não por convite, como veio a acontecer) esteve mesmo na origem dessa saída. Trabalharia na década seguinte no seu gabinete em Lisboa, tendo falecido cerca de dez anos depois, em 1944. Para a memória ficava um gabinete de trabalho, ainda hoje preservado de forma impecável.

Nuno Magalhães, arquiteto e investigador no Iscte – Instituto Universitário de Lisboa, estuda a obra de Álvaro Machado há mais de uma década e descreve assim o gabinete: “Tinha o seu estirador, a sua secretária, a cadeira, a sua bata de trabalho, as paredes pejadas de quadros, pinturas, aguarelas e desenhos. Alguns de sua autoria, a maior parte não. Tem pinturas de amigos dele, desenhos de arquitetos contemporâneos e sobretudo aguarelas do pai dele, que era cenógrafo do Teatro São Carlos. Este conjunto ocupava integralmente as paredes, inclusivamente sobrepunha-se a uma porta”. “Tudo o que preenche estas paredes está exatamente na mesma posição em que estava”, garante João Vieira Caldas, professor aposentado do Departamento de Engenharia Civil e Arquitetura do Técnico. O investigador e antigo professor de arquitetura integrou mesmo a equipa encarregue de negociar com duas das filhas de Álvaro Machado a transferência do espólio para o Museu de Civil. “A posse deste espólio que tem uma história longa e complicada começou no final do século passado: Houve duas pessoas que perceberam que o espólio do arquiteto estava praticamente intacto, na sua antiga casa… restavam-lhe duas filhas, com mais de 90 anos, que estavam a pensar eventualmente vender este espólio, mas aos bocados”, conta. O prédio estava a ser esvaziado para ser vendido e a pressão imobiliária estava a ser exercida. “Foi-se tentando convencer as Sras. de que o espólio não deveria ser dividido por diversas antiquárias ou por interessados”, complementa. Perante as reticências das herdeiras – “por um lado estavam à espera de ganhar algum dinheiro com isto, por outro lado não estavam com vontade de fazer uma ligação ao Técnico” -, as negociações seguiram com “chás e bolinhos” e foram bem-sucedidas com a explicação do objetivo da operação: reabilitar a memória e homenagear Álvaro Machado. Em 2000 chegava-se a um acordo para a doação do espólio ao Técnico, que incluía o atelier agora recriado e exposto ao público.
As homenagens ao papel do arquiteto não ficaram por aí e foi também instituído a partir de 2006/2007, por iniciativa das suas filhas, um prémio com o seu nome – Prémio Arquiteto Álvaro Machado, que destaca anualmente o melhor estudante que, em cada ano civil, conclua o curso de Mestrado Integrado em Arquitetura.


Extra

Percurso e obras de Álvaro Machado
«Álvaro Machado Nasceu em 1874. Faz o curso na última década do século XIX e arranca a trabalhar logo em 1900 com o jazigo do Visconde Valmor, que foi uma obra de referência. É uma espécie de concentrado do que depois, no início do século XX, vem a ser o estilo oficial que ele desenvolveu, que foi o estilo neo-românico.
O desenho que ensinava: era um desenho de arquitetura, com pormenores construtivos, estruturas metálicas, no fundo representava precisamente a linha arquitetónica do Álvaro Machado, um arquiteto que tinha grande sensibilidade construtiva e tinha uma grande abertura para novidades tecnológicas, naquela altura eram as estruturas metálicas que se introduziam no meio da pedra e faziam as estruturas mistas.
Para além do jazigo, destaca-se o seu trabalho num restauro estilístico da Sé de Lisboa. Esteve envolvido no projeto da Sociedade Nacional das Belas Artes, fez o Colégio Académico e moradias no Estoril.
Temos vários desenhos que são o seu projeto final do curso. É um belíssimo desenho de uma estação ferroviária, muito parecida com as que se faziam em França. Ele ganhou um prémio com esse projeto de final de curso.»
Nuno Magalhães

 

Episódio 77: O polarógrafo Cambridge

sexta, janeiro 13th, 2023

«A Polarografia é hoje um dos métodos de Análise mais cómodos e eficientes quando utilizada criteriosamente e por mãos experimentadas. Há actualmente um número elevado e crescente de laboratórios que recorre a esta técnica, pois que ela, além de resolver problemas analíticos difíceis de resolver por outros métodos, permite ainda abordar muitas outras questões de Eletroquímica». Era assim que, em 1953, Isabel Gago apresentava o polarógrafo Cambridge e a sua importância para o Técnico. Aquela que foi, em Portugal, a primeira mulher engenheira química, segunda mulher engenheira e a primeira mulher professora do Técnico (ouvir episódio Episódio 33: O Laboratório de Análises Portátil de Isabel Gago) introduzia um artigo científico publicado na Revista Técnica (ouvir episódio 26 – A Revista Técnica) por Maria Teresa Águas da Silva e que marcava o início do impacto do instrumento na investigação que se fazia na Escola.
A técnica de polarografia foi inventada em 1922 por Jaroslav Heyrovsky, que viria a receber o Prémio Nobel da Química de 1959 “pela descoberta e desenvolvimento dos métodos polarográficos de análise”. Ao Técnico, o polarógrafo Cambridge, exemplar histórico da primeira geração da polarografia, chegaria em 1948. O instrumento tem ainda hoje uma etiqueta muito velhinha e escurecida com a inscrição “Cambridge Instrument Company, Ltd”. “O primeiro que existiu em Portugal foi no Instituto do Vinho do Porto, no Porto. Posteriormente, no Técnico, o Professor Herculano de Carvalho, que era o diretor do Laboratório de Eletroquímica, decidiu desenvolver a técnica de polarografia”, conta César Sequeira, docente aposentado do Departamento de Engenharia Química (DEQ) do Técnico.

O instrumento abriu caminho para uma técnica essencial para determinar a quantidade e qualidade de algumas substâncias químicas, em especial metais. Através do controlo da intensidade da corrente é possível analisar e caracterizar diferentes espécies químicas, assim como determinar a concentração da espécie em solução. O potencial de aplicação multiplica-se por áreas como a medicina, a biologia, a metalurgia, a análise de compostos orgânicos e inorgânicos, o estudo das descargas eletroquímicas, a indústria alimentar, entre muitas outras em que há necessidade de fazer análises com grande precisão e de quantidades que existem em pequeníssima concentração em soluções químicas.
Alda Simões, também professora associada do DEQ, chegou a utilizar, como aluna, as técnicas de polarografia, mas num aparelho mais moderno. “O que esta técnica tem de muito interessante para os dias de hoje é que deu origem a várias outras – foi revolucionária”, explica. Atualmente, o polarógrafo encontra descendência num aparelho crucial para a eletroquímica – o potencióstato. “Uma boa parte das suas técnicas baseia-se na polarografia”, defende.
Enquanto foi útil, o polarógrafo do Técnico “foi muito utilizado e bem tratado”. “Sabemos que esta técnica foi usada aqui durante tempo. Chegou até aos nossos dias em muito bom estado, apesar de haver componentes que já não funcionam. Todo o aparelho inspira algum carinho”, descreve Alda Simões.

 

História Extra
Como uma Engenheira Química descreve o polarógrafo Cambridge
«É muito diferente dos aparelhos a que estamos habituados hoje em dia. Está montado numa caixa muito bonita, de madeira, com um trabalho de marcenaria muito interessante, com parafusos dourados… Tem uma série de botões que são manípulos para se controlar a voltagem que se aplica a uma célula eletroquímica.
E realmente era uma espécie de sintonizador, porque aquilo que fazia… isto trabalha com uma célula eletroquímica com o chamado elétrodo gotejante de mercúrio. Então tem um suporte, como um reservatório com mercúrio, e depois um tubo muito fininho. A partir daí, tem uma solução, que é a solução que se pretende analisar, e dentro dessa solução o elétrodo gotejante funciona como um dos elétrodos da célula e outro elétrodo é na prática o mercúrio que se acumula no fundo da célula e que tem uma ligação a este aparelho. Portanto, a gota acaba por ser renovada, o que dá sempre um elétrodo muito limpo, com uma dimensão que vai variando. Com esta técnica é possível controlar o potencial aplicado entre os dois elétrodos e esse potencial vai permitir, à medida que se varia o potencial vai-se detetando as espécies – porque cada espécie tem um potencial característico – e depois aumentando o potencial atinge-se uma corrente (corrente limite) que dá a medida da concentração na solução.
Abrindo… tem umas ligações para prender os elétrodos. Dois para o potencial e dois para medir a corrente. Depois um monitor que tem uma agulha e cinco botões que permitem rodar para controlar a corrente, a escala de corrente, e controlar o potencial. Depois tem um visor que tinha uma luz por dentro para se fazer a leitura.»
(Alda Simões)

 

Episódio 76: O comutador de energia

sexta, janeiro 6th, 2023

Portugal era, no final dos anos 20 do século passado, um país essencialmente agrícola, com pouca capacidade industrial. O Técnico esteve no epicentro da gradual transformação tecnológica e no crescimento das áreas da engenharia no país. A Escola via chegar, aos poucos, a tecnologia necessária para liderar esse processo. Uma delas, que chegou a Portugal por via alemã entre 1927 e 1930, foi o comutador de energia, capaz de produzir e distribuir as potências necessárias de eletricidade para o laboratório de máquinas elétricas, no edifício de Eletricidade.
O objeto é revisitado e descrito por Paulo Branco, professor associado no Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores do Técnico: “Estamos a olhar para um equipamento que produz tensões trifásicas equilibradas – que atualmente vêm da subestação, dos transformadores daqui, mas na altura não havia o conceito de subestação para potências pequenas. Foi fornecido ao Técnico uma máquina com um sistema de corrente contínua de excitação e um gerador síncrono que produz três tensões trifásicas equilibradas”. Falamos da capacidade de gerar uma potência na ordem dos 36 kilowatts (Kw), assumida por uma máquina azul, da marca Siemens, com aspeto de duas máquinas geminadas. “Uma é a máquina motriz, a outra produz as tensões. No fundo estamos a ver aqui produção de potência mecânica transformada em potência elétrica”, explica Paulo Branco.

O comutador encontra-se ainda hoje nas instalações do campus Alameda, no Técnico, numa cave do laboratório de máquinas elétricas, a mesma onde foram instaladas as primeiras entradas de sistemas trifásicos de tensão da rede pública, entretanto descontinuadas. Os componentes desse sistema permanecem a testemunhar essa fase. “Temos uma parte separada deste laboratório, onde temos as máquinas que produzem parte da eletricidade para o laboratório de máquinas elétricas”, complementa Paulo Branco. Com o comutador chegou também ao Técnico um sistema de distribuição das tensões para o laboratório, dois painéis com cerca dois metros de altura e três metros de largura, com orifícios que distribuíam a corrente elétrica para a várias bancadas, com recurso a barras de cobre. “Naquela altura utilizavam ainda os fusíveis de cerâmica, não havia plástico nos disjuntores, eram de madeira. Com estas barras era possível direcionar para certas bancadas certas tensões e outros elementos aqui copulados”, descreve.

O objeto continua a cumprir uma importante função pedagógica junto dos estudantes do Técnico na compreensão da evolução dos sistemas de máquinas elétricas e também da importância histórica da instituição. Resta apenas saber se o comutador ainda é capaz de trabalhar. “Nunca vi isto a funcionar, mas está nas melhores condições possíveis. Um dia vamos colocar as máquinas a funcionar e gerar as tensões”, arrisca Paulo Branco. Mas quando? “Quando não me pergunte, talvez quando eu for para a reforma daqui a 15 anos”.

Episódio 75 – O HP (velhinho)

sexta, dezembro 30th, 2022

Falar num minicomputador, no início dos anos 70, remete-nos para as dimensões de um pequeno mini bar de hotel. É o rigor de uma escala que, antes de evoluir até aos dias de hoje em que poderosas máquinas nos cabem no bolso, encontrava no modelo de computador HP 2116C um importante marco. No Técnico, o modelo chegou em 1971, e marcou uma pequena revolução na forma como estudantes da Escola se relacionavam com a tecnologia e a programação, antes de se transformar no “HP velhinho”.
Luís Borges de Almeida, professor aposentado do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores (DEEC) do Técnico, faz-nos uma descrição detalhada desta emblemática máquina: “Era um armário retangular, mais ou menos do tamanho de um pequeno frigorífico, como os dos mini bares dos hotéis, um bocadinho mais alto”. Especificações: “A memória era de 16 Kilobyes (KB), um milhão de vezes menos do que os Gigabytes (GB) de que nós normalmente falamos agora”. Preço: “Deve ter custado cerca de 14 mil dólares na altura, em valores atuais seria 280 mil dólares (cerca 265 mil euros)”. Balanço: “Imensamente usado, serviu para muitas coisas”.

Luís Borges de Almeida foi nomeado, ainda como estudante, no mesmo ano, “tratador do computador”, ficando com as responsabilidades de “assegurar que estava a trabalhar bem, aprender a trabalhar bem com ele, ensinar as pessoas e ajudá-las quando era preciso”. Este minicomputador (pequeno sobretudo quando comparado com o IBM360 – ouvir episódio 46) era usado por todos os membros do Centro de Estudos de Eletrónica, que ficava no último piso do Pavilhão de Eletricidade. Uma das “muitas coisas” que possibilitou foi o primeiro contacto a sério de alguns estudantes com computadores de verdade. Uma delas foi Isabel Trancoso, professora catedrática aposentada do DEEC do Técnico e investigadora no INESC-ID: “Aqui no Técnico, o contacto que tinha era com um IBM que estava numa sala sei lá bem onde. Púnhamos uma caixa de cartões perfurados no chamado galinheiro – uma caixa com buraquinhos. Isso não era um contacto físico com um computador. Ele estava algures, eu nem sabia bem onde é que ele estava”, recorda. “Este foi o meu primeiro contacto com computadores a sério, no qual mexi mesmo. Foi uma aprendizagem grande”, complementa. Outro estudante na altura, atualmente professor no DEEC, Fernando Mira da Silva, recorda quando teve pela primeira vez o “velhinho” à sua frente: “Pela primeira vez podia fazer aquilo que hoje é normal: interagir com um computador e ver imediatamente a resposta”. “Trabalhar diretamente com um computador era uma coisa que estava ao alcance de um conjunto muito pequeno de pessoas. Senti-me privilegiado por ter acesso a essa ferramenta”, acrescenta.

Os programas corriam no HP 2116C com a ajuda de uma fita de papel perfurada. Não havia terminais com ecrã, mas sim uma teleimpressora, com um cilindro que batia no papel com uma fita. É, ainda assim, uma evolução da tecnologia de cartões perfurados, utilizada pelos gigantescos modelos de computador anteriores (ouvir episódio 46 – A máquina perfuradora de cartões). Nessa altura, toda a programação se fazia através de cartões perfurados. Nós não interagíamos com um computador. Nós perfurávamos cartões e entregávamos num cacifo. Quando as coisas corriam bem, recebíamos uma listagem com os resultados”, recorda Fernando Mira da Silva. A sala onde se encontrava o “HP velhinho” – que parecia um aquário com vidros a toda a volta – tornou-se uma espécie de santuário. “Era uma sala que parecia uma capela, só se entrava lá para trabalhar”, recorda. Mas havia exceções, como numa brincadeira de Carnaval, recordada por Isabel Trancoso: “Punha-se o computador a funcionar em “Special Intelligence State” e o computador dizia que não era preciso dar comandos porque já tinha percebido o que é que queríamos fazer. As pessoas entravam em pânico. E os outros ficavam todos a ver a reação da pessoa através dos vidros”.
O reinado deste computador no Técnico durou cerca de dez anos, até 1980/81, data em que foi adquirido um HP1000, uma máquina muito mais potente, com uma memória muito maior e muito mais rápido. Foi assim que nasceu a alcunha para o HP 2116C: de “HP velhinho”. Na tecnologia, as escalas e o tempo evoluem vertiginosamente.

 

Episódio 74 – O mural do Técnico

sexta, dezembro 23rd, 2022

Começou por ser pensada como obra temporária para promover um evento organizado por estudantes, mas leva já mais de sete anos exposta no campus da Escola no Taguspark (Oeiras). É uma pintura em tela, datada de 2015, da autoria do artista plástico Fidel Évora Tavares, e tem quase 10 de metros de altura. Bebeu inspiração em temas que remetem para a “inteligência artificial, o ser humano e a consciência”, nas palavras do seu autor, que descreve a peça assim: “Vemos uma pessoa, uma figura bastante feminina, apesar de não ter nenhum traço feminino, que está a contemplar algo… “. Pretende refletir, por exemplo, “se as máquinas podem ser pessoas, ter género ou não ter” e absorveu também uma linguagem visual inspirada em textos sobre poesia e matemática.

É hoje um objeto incontornável na paisagem do edifício e as suas cores destacam-se entre as plantas do jardim interior do campus do Técnico no Taguspark. Surgiu de um convite Carla Costa, responsável pelo serviço de Apoio ao Estudante no Taguspark, que procurava uma forma original de promover a SET – Semana Empresarial e Tecnológica, organizada pelo grupo de estudantes LAGE2 – Laboratório de Apoio à Gestão Actividades Extracurriculares dos Estudantes. “Pensámos: por que não fazer uma tela a juntar a street art à engenharia e colocar o Fidel a pintar uma tela para o Técnico?”, recorda. Na semana anterior à SET, o artista montou a tela e começou a pintar a obra perante o olhar da comunidade do Técnico. Nascia assim uma versão muito mais ambiciosa do que a pensada inicialmente. “Na altura não era para ser nada assim, era uma coisa pequena. Mas decidimos que eu podia aplicar-me um bocadinho mais e fazer uma peça que ficasse aqui no Técnico”, conta Fidel Évora Tavares.

Carla Costa vê na obra “o futuro”. “Se reparar nos olhos do personagem, ele está a olhar para o futuro e para aquilo que aí vem, o que vai ser o nosso mundo daqui a uns tempos”, aprofunda. E desde 2015 muita foi a cultura que veio trazer ao campus do Técnico no Taguspark um estreitar de relações entre “o mundo da arte e o mundo da engenharia e da tecnologia”. Exemplo disso são as exposições e manifestações artísticas que têm sido destacadas pelo evento Viver a Cultura @ Tagus. O campus tem sido inundado por workshops de música, dança e exposições de artes visuais. “Temos vários estudantes que fazem coisas maravilhosa e expomos esses trabalhos”, resume Carla Costa.

Episódio 73 – A 1.ª patente do Técnico

sexta, dezembro 16th, 2022

Quando alguém brinda com espumante ao futuro ou celebra uma conquista está longe de imaginar o complexo processo químico que ocorre nas células que se multiplicam no interior de cada garrafa, durante o seu processo de fermentação. Até estar pronto a servir, o líquido passa por um cuidadoso processo de remoção de leveduras, contabilizando-se milhões de células por mililitro. Durante séculos, e até meados dos anos 80, altura em que um projeto inovador do Técnico tentava mudar essa técnica, todo esse processo era feito manualmente. Milhões de garrafas foram rodadas ligeiramente aplicando-se o chamado método “champanhês” de modo a que as leveduras fossem descendo para o gargalo até serem retiradas, num procedimento que demorava em média três semanas.
É precisamente neste contexto que está a base de uma ideia que viria dar a origem à primeira patente registada com o nome do Instituto Superior Técnico: uma descoberta que tentava melhorar – ou tornar mais rápido – o processo de produção de espumante. No registo de patentes aparecia, em 1985, o “Processo para a produção e vinhos espumantes naturais com leveduras imobilizadas” prometia um método biotecnológico para aplicação na produção de vinhos espumantes naturais com vista a apressar consideravelmente o método “champanhês”, através da eliminação da operação conhecida como “removimento” sem alterar as caraterísticas do produto final.

Isabel Sá Correia, professora catedrática jubilada do Técnico, do Departamento de Bioengenharia, e investigadora no Instituto de Bioengenharia e Biociências (IBB), explica em que consistia esse método “champanhês”: “A ideia é adicionar açúcar e depois haver uma fermentação por leveduras e é uma levedura que vai fazer a fermentação e vai produzir dióxido de carbono (CO2), que são os “piquinhos” do champagne. Simplesmente ela quando produz, também cresce, também se desenvolve, produzindo uma concentração de leveduras dentro do vinho, o que quer dizer que vão ter de ser retiradas antes de ir para consumo”. Com a proposta deste invento, as células de levedura são imobilizadas (ou retidas) no interior de um gel de agar-agar em condições tais que a fermentação se dá sem que fiquem células livres em suspensão. A remoção dos fragmentos de agar-agar pode então fazer-se em poucos segundos em vez das referidas três semanas. “Fazia-se uma solução, metia-se as células numa fase adequada de crescimento, comprámos pratos de sopa, enchíamos os pratos, deixávamos solidificar e depois com uma faca cortávamos em cubinhos (esferas de agar-agar) que eram colocados na garrafa”, complementa Isabel Sá Correia.
A ideia cresceu no Laboratório de Engenharia Bioquímica, liderado na altura por Júlio Maggiolly Novais, e multiplicou-se numa colaboração com o Instituto Superior de Agronomia (ISA) e as Caves Raposeira. Na equipa estava Vergílio Loureiro, atualmente professor aposentado do ISA que trabalhou na área da microbiologia, que aprofunda a explicação do método “champanhês”: “Para remover essas células, vira-se a garrafa de gargalo para baixo e depois faz-se um processo de rotação da garrafa aos poucos, normalmente um quarto de volta da garrafa. Faz-se diariamente com o objetivo de fazer como que uma espiral de todas as células até encostarem ao fundo da rolha. É inclinado quase na horizontal e à medida que vai rodando a garrafa vai inclinando para cima, vai aumentando o declive”. Outro membro valioso do processo foi Joaquim Sampaio Cabral, professor do Departamento de Bioengenharia do Técnico, que fundou e presidiu, e que fez doutoramento no tópico chamado de imobilização de biocatalizadores ou de enzimas / células. “Eu nem sabia que era uma patente, quase, na altura. No Técnico era inédito”, confessa. Atribui o mérito a Júlio Novais, que introduziu a “área de biotecnologia em Portugal” (no Técnico).
E como entraram as Caves Raposeira no projeto? Pela via de Vergílio Loureiro, que foi colega de curso José Pinto Gaspar, administrador das caves à época do projeto. “Quando lhe expliquei o que tínhamos na ideia e os trabalhos preliminares que tinham sido feitos, aderiu entusiasticamente à ideia de montarmos lá ensaios”, conta. José Pinto Gaspar confirma: “Orgulho-me muito de ter participado. Senti-me um privilegiado por poder ter feito parte nesta aventura”.

A primeira patente do Técnico (e também primeir do ISA e das Caves Raposeira) representou um grande avanço tecnológico para a época, mas não chegou a ser aplicada. O projeto durou dois anos, mas a entrada numa terceira fase, de aumento de escala, implicava custos significativos no desenvolvimento de novos equipamentos que não puderam ser aplicados. Depois de 1985, muitos foram já os brindes às patentes registadas pelo Instituto Superior Técnico. Em dezembro de 2021 registavam-se já 286 invenções ativas, entre patentes e modelos de utilidade. E o número não tem parado de crescer ano após ano.

Episódio 72 – A cana dos foguetes

sexta, dezembro 9th, 2022

Não foram poucas as noites quentes de julho pontuadas pelo ruído de foguetes a celebrar a conclusão do curso por estudantes do Técnico. Subia aos céus da Alameda um foguete por cada ano que cada estudante do Técnico concluíra com sucesso. E a lançá-los de cigarro na mão esteve, durante décadas, o Sr. Carvalhosa (ou o Professor Carvalhosa, ou Eng.º Carvalhosa, dependendo das versões), funcionário do Técnico entre 1965 e 2003.
A prova – a cana dos foguetes que enquadra este episódio – é propriedade inestimável de Isabel Ribeiro, professora catedrática aposentada e professora distinta do Técnico e investigadora no ISR Lisboa – Instituto de Sistemas e Robótica, tendo sido lançada e recolhida em maio de 1978. O lançamento de foguetes fazia parte da tradição do Técnico, mas tinha sido descontinuada após o 25 de abril, sobretudo por questões de ruído. Em maio de 1978, a jovem Isabel Ribeiro e dois colegas acabavam o seu curso e decidiram procurar “quem antes tratava desses assuntos”. “O Professor Carvalhosa, como nós chamávamos, fornecia-nos os foguetes. E foi lançar os nossos 15 foguetes (um por cada ano de cada um dos três estudantes) no cimo do Pavilhão de Eletricidade. Estávamos eufóricos, fumámos charuto, bebemos champanhe…”, recorda. Ficava retomada a tradição que prosseguiu mais umas décadas, como o comprova o testemunho de Teresa Vazão, professora do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores do Técnico, que terminou o curso em 1985: “Dirigíamo-nos a ele, dizíamos: Sr. Carvalhosa acabei o curso, vamos combinar aqui o lançamento dos foguetes… trazia-se os namorados ou as namoradas, íamos para o jardim e lá vinham os foguetes do Técnico”.

Falamos de António Alves Carvalhosa, que foi jardineiro, porteiro e contínuo do Departamento de Matemática durante as décadas que dedicou ao Técnico. Abria e fazia a manutenção dos Grandes Auditórios, vendia folhas de ponto e sebentas, mas tornou-se conhecido como o “Engenheiro Pirotécnico” pelo lançamento de foguetes. E tudo começou assim: “Estava no portão da Alameda e houve um aluno que chegou ao pé de mim a perguntar sobre foguetes. Era um contínuo do Central, o Soares, que os deitava, mas parou durante um ano ou dois. O aluno perguntou-me: ´Não arranja foguetes para mim?´. E eu: ´talvez´. Descobri um fogueteiro da Lourinhã, através das Festas de Monsanto, e então comecei a gastar foguetes de lá e comecei a deitar. E deitei muitos anos. Peguei eu na tradição”. A técnica era puxar do cigarro e recorrer a um pedaço de pano tipo charuto para apoio e lá ia o foguete. Foram centenas de estudantes do Técnico que viram o seu sucesso ecoar na cidade pelas mãos de António Carvalhosa. Uns pediam para serem eles a lançar, outros tiravam fotografias com ele ou levavam-no ao jantar de comemoração e “para a paródia”.
Antes do “serviço” ser executado por contínuos do Técnico, a tradição seguia um molde “self-service”. Uma papelaria em frente ao Técnico vendia pequenos foguetes, que eram lançados pelos próprios estudantes. José Manuel Antelo, engenheiro de profissão aposentado e novamente estudante do Técnico em 2022, formou-se em 1955 e nunca esqueceu o seu último dia. Naquela altura deitava-se um foguete por conclusão do último exame (e não por anos de curso). “No nosso ano o último exame foi de economia política, que era uma cadeira para todos os cursos, todos os cursos do 6.º ano terminaram ao mesmo tempo. Então foram todos os cursos que fizeram ali um arraial de foguetes que foi uma coisa impressionante”, recorda. Na década seguinte foi a vez de Rui Louro concluir o seu curso, lançar o seu foguete mas também a ver a polícia política a confundir o significado das celabrações. “Numa altura, o lançamento dos foguetes coincidiu com a queda de Oliveira Salazar da cadeira. Como nessa manhã houve muitos foguetes, a PIDE entrou no Técnico em força e queria prender toda a gente que lançou os foguetes”, conta.

A tradição terminou oficialmente nos 90, mas a chama nunca se chegou a apagar totalmente. Quer substituindo o fogo de cana pelo fogo preso ou recrutando oficionsamente os serviços do antigo funcionário do Técnico. “Depois de me reformar ainda cá vim umas duas ou três vezes. Chegaram a ir lá alguns buscar-me para vir cá”, confessa António Carvalhosa. Talvez mais do que a vontade de soltar foguetes, falasse mais alto a saudade de uma pessoa que tinha “sempre um sorriso nos lábios e era uma personagem querida por todos”, como define Isabel Ribeiro. E como a saudade nunca nasce só para um lado, também mora nas palavras do “Professor Carvalhosa”: “Tenho saudades e pena de não continuar. Mesmo que me pedissem, já não faria que arranjava problemas. Mas vontade tinha eu de os deitar. Tenho saudades desses tempos, tenho sim senhor”.

Histórias Extra

Um: A história de uma cana que foi guardada pelos avós
«Quando acabei o curso no fim de maio de 1978, eu e dois colegas pensámos nesse dia de manhã deitar foguetes e fomos falar com quem antes tratava desses assuntos. O Professor Carvalhosa, como nós chamávamos, era o Sr. Carvalhosa que era contínuo na Matemática e a quem nós pedimos. Fornecia-nos os foguetes. E foi lançar os nossos foguetes no cimo do Pavilhão de Eletricidade, com 15 foguetes. Estávamos eufóricos, fumámos charuto, bebemos champagne, enfim.
E depois pensei “eu gostava de ficar com estas canas”. Então fomos para a Alameda onde a maior parte dos foguetes deve ter caído à procura de foguetes. Encontrei um, não sei se era o meu, mas passou a ser o meu foguete que levei para casa. E a minha mãe disse “eu não quero cá isso que isso cheira muito mal”. E cheirava ainda a pólvora. E a minha avó “ó minha filha, eu guardo-te o foguete”. Os avós servem para isso. Foi colocada uma etiqueta e foi guardado num armário na casa deles. Quando faleceram, a casa esteve fechada algum tempo e quando foi necessário desmanchar a casa, o foguete estava lá guardado.»
(Isabel Ribeiro)

Dois: Naquele tempo os foguetes eram lançados por estudantes
«Tenho saudades da vivência no Técnico como um todo. Considero que foi um tempo muito feliz da minha vida. Naquela altura [anos 50], no último exame deitava-se um foguete. Às vezes estávamos na aula e ouvíamos foguetes. Mas no nosso ano foi diferente. O último exame foi de economia política, que era uma cadeira para todos os cursos. E foi o último exame de todos, no dia 30 de junho [de 1955]. Todos os cursos do 6.º ano terminaram ao mesmo tempo. Então foram todos os cursos que fizeram ali um arraial de foguetes que foi uma coisa impressionante, possivelmente o protesto que havia dos vizinhos todos os anos, naquele ano deve ter atingido o máximo, porque eram foguetes por todos os lados, aquilo parecia um arraial minhoto. De maneira que lancei o meu foguete com todo o cuidado não fosse aquilo explodir na mão. Cada um lançava o seu foguete. Ia comprar-se ali à entrada na Rovisco Pais, numa papelaria. Muito mais tarde é que pensei no perigo que aquilo representava. Não fui apanhar a cana. Pensei: “acabou, a cana fica”. Todos lançaram um foguete nesse dia. Foi o salve-se quem puder.»
(José Antelo)

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